sábado, 2 de abril de 2011

INSPIRAÇÃO ORIENTAL

Como todo chines, após muito tempo de reflexão, mais de meio século.... resolvi compartilhar, publicar meus pensamentos, experiencias de uma imigrante chinesa, que deixou sua terra natal, melhor dizendo, ilha, e viajando com sua família, atravessou vários oceanos e mares, para finalmente aportar em Terras Brasilis, mais precisamente em Santos, em pleno período de revolução, Abril de 1964.

Por muito tempo, fiz o maior esforço para me "abrasileirar", achava bonito o tratamento dos amigos....desde pequena sempre tive muitos amigos, que separava em grupos distintos. Os filhos dos amigos dos meus pais eram como eu, pequenos chineses que estavam se adaptando ao ambiente brasileiro, os da rua, esses em sua grande maioria eram brasileiros, ou com cara de brasileiros, somente depois, percebi que tambem eram filhos, netos de imigrantes italianos, portugueses, espanhóis, franceses....e tinham os da escola, aí sim a miscigenação era maior ainda.....as minhas classes eram formadas por crianças loiras, morenas, de olhinhos puxados, ou claros, sardentas...uma infinidade de cores...

Ainda criança, as minhas dificuldades eram comer com garfo e faca, e cumprimentar as pessoas, nunca sabia direito se devia estender a mão ou dar beijinhos no rosto....ficava atrapalhada. Com os talheres, foi um pouco mais fácil, pois passava horas treinando em casa, cortando bifes em tirinha, porém até hoje confundo......com qual mão devo usar a faca para cortar e qual para apoiar na hora de comer....mas como agora a moda é comer de "pauzinhos" ou melhor "kuai zi", que traduzindo literalmente significa " objetos ágeis " e que são mais popularmente conhecidos como "hashi", que vem do idioma japones, fico tranquila, que para mim é muito mais confortável de usar.

Claro que quando estava em casa, imperavam os costumes chineses, e graças 'a minha mãe, exímia cozinheira, ou melhor, "chef" da gastronomia chinesa, elogio dado a ela por muitos amigos e parentes chineses, aprendi a apreciar a arte da culinária, e como assistente da minha mãe desde muito pequena, aprendi também alguns segredos desta cozinha.

Lembro que nos meus aniversários, a grande diversão, após as brincadeiras de esconde-esconde, barra-manteiga, pega-pega, era ganhar a competição de comer amendoim usando os "pauzinhos". Ficávamos até tarde da noite... 

Mas, entrando na adolescencia, aí a crise de identidade pegou forte....início do auge dos "Embalos de Sábado 'a Noite" e véspera de exames para a faculdade, o famoso vestibular. Sempre gostei de dançar, meus pais diziam que assim que cheguei ao Brasil, mal sabia falar portugues direito, mas cantava todas as músicas do Roberto Carlos e dançava Ie-Ie-Ie. Então, imaginem, meus colegas brasileiros indo nas matines das discotecas e eu "presa" em casa com os livros e a cabeça "viajando". 

Foi a fase que mais tentei ser brasileira com cabelos repicados, calças boca de sino..e quando entrei na Faculdade então, a nacionalização foi mais intensa. Só tinha colegas brasileiros, raramente falava em mandarim ou hakkanes, um dialeto da província dos meus pais, viajava muito para praias, tomava sol para ficar bem morena, passando bastante óleo de urucum, e quando chegava em casa, minha mãe ficava horrorizada, pois para os chineses, a pele devia ficar branquinha, como seda, e não cor de coco queimado.

Mais do que depressa, assim que me formei, minha mãe tratou de mexer os "pauzinhos", entrou em contato com os parentes dos Estados Unidos e me mandou para lá, na Califórnia, São Francisco. E de fato, surtiu algum efeito de "orientalização", uma vez que a comunidade chinesa é muito grande na terra do tio Sam. Inclusive há os famosos "China Town", com patos laqueados pendurados nas vitrines das lojas, os deliciosos "dim-sum", as iguarias, temperos variados, praticamente uma área inteira que voce pode se comunicar em chines, tanto falado como escrito. E para contribuir essa imersão no Oriente, pedi 'as minhas primas, que falavam um ingles sofrível, para se comunicarem comigo em mandarim, já que eram fluentes. Hoje, devo muito a elas o que sei falar nesse idioma.

Passado alguns anos, a saudade do Brasil bateu mais forte. As boas lembranças com os amigos fizeram com que eu tomasse a decisão de retornar em 1987 a esse lugar maravilhoso e aos meus antigos hábitos. Fiquei um bom tempo curtindo essa brasilidade. Até que em 89, fiz uma viagem a Taiwan, com um grupo de 150 filhos de imigrantes chineses. Tivemos momentos inesquecíveis, passeando pela ilha de ponta a ponta, e aprendendo muito sobre a cultura local.

Porém, foi após o nascimento do meu filho em 1996, um lindo mesticinho, que comecei a me interessar pela cultura dos meus antepassados e os caminhos da vida foram me levando a procurar cada vez mais por informações a respeito do Oriente. Um dos momentos importantes para essa aproximação foi a escolha da escola, pois optamos por uma que tinha o mandarim como terceiro idioma, além do portugues e ingles. Ficamos fascinados, pois além do ensino do idioma, tivemos acesso a vários aspectos da cultura chinesa como a Arte da Caligrafia, o teatro com as histórias do Rei Macaco, as comidas típicas, as músicas apresentadas durante os eventos na escola e desta forma muito agradável, fui retomando a minha origem.

Comecei a frequentar o templo budista que ficava bem em frente a escola do meu filho. A mestra pediu para que lecionasse portugues para uma das monjas recem chegada ao Brasil, aceitei, e fui me interessando por aquele ambiente e através das leituras adquiri um pouco mais de conhecimento do Budismo e  dos Pensamentos Orientais.

Passado mais alguns anos, com o crescimento e desenvolvimento da China, acabei lecionando mandarim a alguns executivos brasileiros por intermédio do incentivo de uma grande educadora do idioma mandarim, a prof. Chang. E aí sim, fui pesquisar sobre a China, tive vontade de ser novamente estudante para poder se dedicar a esse aprendizado.

Hoje, em pleno século XXI, estou sempre envolvida com situações bi-culturais, seja nos negócios, pois trabalhando como intérprete, consultora para empresas brasileiras e chinesas,  as experiencias são das mais variadas, e isso acontece também nas amizades , na gastronomia, no idioma....e sobre esses aspectos que vou passar a relatar mais e dividir com todos aqueles que tenham interesse em conhecer um pouco mais sobre a China, e também, aqueles que possam contribuir com o seu conhecimento, enriquecendo o "ChinaLounge", uma sala virtual aconchegante e charmosa aberta aos adeptos dessa fascinante cultura.

Tzai Tjen!!! ou Até Breve!!